quinta-feira, 28 de maio de 2009

Sobre as mãos.


Estou apaixonada pela forma de suas unhas e pelo belo caimento que há entre elas e seus dedos longos. Amo suas unhas vermelhas. Pintadas è renda. Com patinhas e flores... Amo suas unhas de graxa, cheirando a óleo diesel. Amo unhas sujas de terra, cobertas de massa de bolo, escondidas atrás de nuvens de espuma. Amo suas unhas ruídas ou crescidas, ou o barulho que elas fazem no cortador de unhas. Odeio o barulho áspero que o contato de uma unha lascada faz ao roçar-se num pano. Amo suas linhas de futuro na palma da mão. Amo as palmas que alisam esculturas, que circundam martelos, que lixam a madeira, que limpam a casa, que bordam vidas em toalhas. Amo o violão dedilhado por ti. E o barulhinho do som do teclado esmagado por seus dedos. Falando em dedos... Gosto também de cada dobrinha de pele que há em seus contornos e esconderijos. Amo tocá-las com as pontas dos meus dedos. Amo suas veias, seus músculos e seus tendões pulsando entre minhas mãos pequeninas. Sou apaixonada pelo encaixe perfeito dos seus dedos nos meus. Amo teu calor do toque. Amo seu toque acariciando outros corpos. Estou apaixonada pelo orgulho que é desfilar com você de mãos atadas e da coragem que esse entrelaçamento desperta.Gosto das mãos que descobrem coisas no escuro, que são os olhos do cego, que pariram a criação do homem. Amo me perder nos labirintos de tuas digitais e nunca conseguir encontrar a saída que a água encontra ao escorrer por seus dedos. Amo os poros da sua pele de vida, e adoro quando eles parecem ter sido feitos para apenas beijar os poros das minhas mãos. Amo os beijos na mão e o respeito calado que ganha significado. Gosto das palmas de aniversário, dos socos no ar na comemoração de um gol... Dos socos de raiva, das palmadas de um pai. Dos apertões nas bochechas e na cintura. Gosto das mãos que dão nós em cabelos, que massageiam nucas e aliviam um dia tenso de trabalho. Amo tudo que uma mão diz sem pronunciar alguma palavra e do “evitar” berrado por mãos que não se encaixam ou pelo “ pra sempre” da vida real por trás de mãos num perfeito encaixe. Mãos que fazem guerra... e assinam acordos de paz. Mãos que socam ou mãos que acariciam. Djavan cantou que o amor é um grande laço...e a alma de um laço fica no nódulo que une as duas extremidades distintas e as transformam em uma só. Mãos são os nódulos de todos os possíveis laços. Mãos estão grávidas de amor.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Desconexões II.


Existem os fusos horários que são a diferença de horas a mais ou a menos do lugar onde estou. O lugar onde estou é sempre minha referência. Hoje não estou tão certa de onde estou nem o que ser. Gostaria de estar em todos os lugares menos aqui. Mas qual seria a parte 'todos' dos 'lugares'? Realmente eu não tenho noção. Será que se estivesse em outro lugar ou em outra pele estaria pensando no que estou pensando agora? A hora marcada no relógio varia de acordo com os fusos, mas o tempo dança no mesmo compasso para tudo que existe em qualquer lugar.Injustiça.Se o homem pode estar num lugar mais cedo ou mais tarde, por que não se pode contar o tempo mais rápido ou mais devagar? Se me lembro bem ontem vivi um dia de 24 horas, e as horas saltitaram num piscar de olhos. Cada segundo tinha razão, sentimento, sentido e preenchimento. Hoje é um dia de 24 horas, como ontem. Ando pela casa, escrevo, leio, assisto, converso, como, respiro e o tempo passa arrastado. Nenhum segundo tem razão, nem sentido, nem sentimento e nem preenchimento. A isso tudo chamo de tédio, e não há o que se faezr com ele. O homem inventou tanta coisa bacana, mas não entendo porque ainda não inventou uma caixinha para guardar o tédio. Qual o tamanho, o peso, a natureza disso? O tédio te anestesia.Você quer gritar e não consegue. Quer chorar e não consegue. Quer agir e não consegue. O tédio é o atalho mais curto para o pessimismo e para a confusão. E de confusão ... eu entendo, alimento e dou aula muito bem. É nesses dias que eu arrumo fios que não sei de onde saem para me enrolar. Fico mais embaraçada que um nó cego, um gatinho travesso num novelo de lã, ou que os fones do meu MP4. Não sei se fico, se vou, se páro, se penso, se mudo, se desisto, se luto ... Não sei de nada e cada resposta que atrevo a meter meu nariz puxo ainda aqueles fios repletos de " e se", "talvez" e "quando" para ficar completamente sem saída. No fim do dia minha cabeça dói. Surto. Insônia. Loucura. O tédio é viciado nas perguntas sem resposta. Não me arrependo de nem uma merda, erro, glória que fiz. Se me perguntarem do que me arrependo, eu direi que me arrependo dos dias de tédio. Dos dias de cor creme.

domingo, 10 de maio de 2009

De ressaca.


A Capitu do Machado tinha olhos de ressaca, dissimulados. Ser aceito é a condição fundamental? Por mais que seja repugnante, por mais que tenha sido este a pedra que destruiu teu lar. Está na cultura, está na festa, está no doce. Você continua odiando a sensação do dia seguinte, mas o cheiro líquido te traz as lembranças orgásmicas e você nunca resiste. O álcool é um potente orgasmo. Os dedos adormecem, contorcem ... a dormência sobe pelos braços e percorre teu corpo até as pontas dos pés, te fazendo tremer. E tudo recomeça de novo. Fluxo. Fluido. Êxtase. Frio na barriga. Nó na barriga. Você apaga. Você apaga sem conseguir dormir porque o mundo gira, e gira cada vez mais rápido te deixando tonta e enjoada. É nesse ponto que você se dá conta de que qualquer coisinha domina sua sanidade, que você é um merdinha que vive num corpo que não é teu. A confusão sobre pensar e descobrir qual a tênue linha que te separa da loucura cresce como um pão fermentado, e te engasga e nessa parte você vomita tudo. O álcool te transforma num telespectador 'sllowmotion' de você mesmo. Você observa tudo de fora mesmo vivenciando a cena e ri da própria desgraça. O álcool é desgraçado, a ressaca mais ainda e eu que sei de tudo isso e ainda consumo, sou a mais idiota desgraçada de tudo isso. Te direi que o hálito do meu pai cheirava a álcool. Esse líquido inundou minha casa de gritos, de lágrimas e de tudo que nos tornou estranhos uns aos outros. Álcool é diurético. O diurético fez mijar, urinar, excretar minha família e o amor que um dia senti pelo meu pai. Hoje acordei de ressaca à margem da hipocrisia. Capitu fingia. De ressaca a gente finge. Finge não lembrar das merdas que fizemos andando sobre a corda alcóolica, pois de uma forma ou de outra tudo aquilo fora armazenado em algum lugar mesmo que no extremo inconsciente e está guardado para jorrar a qualquer momento. A farsa por trás dos olhos de ressaca mal dormidos e vermelhos esconde uma irresponsabilidade de cometer novamente e novamente tudo aquilo que já tem-se de exemplo e presságio por um vício pré-existente. Com a cabeça em eco fundamental de um poço fundíssimo você desperta. Num esforço extremo tenta-se dormir de novo. Dormir mais. Possibilidade de esquecimento. Possibilidade de não ter acontecido. Possibilidade de ter acontecido e ter sido lícito e perfeitamente normal. O álcool é ilícito para menores e para o trânsito, e tudo que se faz embebedado acaba por ser ilícito apesar de sensual. O álcool fere o fígado, a alma, incendeia ... O guarda de trânsito pune; o juizado pune; sua consciência pune. Se nada disso fosse assim? As cabeças não girariam tanto, eu não estaria com essa fraqueza, meus pés não estariam gelados e minha consciência não gritaria sempre tão insuportavelmente.