segunda-feira, 29 de março de 2010

Us.






Hoje abri os olhos, e despois daquela morte meu corpo ainda doía. Mas havia alguma coisa diferente, o céu estava claro demais. Foi algo como se um cego, surpreendido por um milagre, enxergasse o mundo pela primeira vez. Imagino que deva ser assustador, de tão belo, de tão novo, pois foi assim que me senti. Me vi na pele do mesmo feto de sempre que sou, mas é tão bonito como as coisas acontecem pela primeira vez, ainda mais quando o milagre que lhe acalenta é o mesmo que você tanto desejou, oferecendo toda moléstia, toda alegria, todo caos e toda inércia. Depois da luz, tão clara e branca que ardia os olhos... depois da luz suguei seu cheiro. Não era um cheiro novo, porque você era tudo que eu tinha perdido e tudo que eu queria de volta, mas era como se fosse, novinho de primeiro dia. Era seu. Era o cheiro que toda noite me fazia dormir para te encontrar em sonho, era o cheiro que venceu distância, torcidas, nós mesmos. Vi lábios entreabertos, grossos, largos, expirando um ar quente repleto de vida... que me hipnotizava como um convite a um beijo lento e molhado... escrevendo contos em dentes que me fazem suplicar mordidas suaves, cheias de dor e carinho. Fui me perdendo numa sede desértica em tua saliva, tua língua, tua anatomia. Eu estava em êxtase. E eu que já era a garota dos shorts curtos, das cores escandalosas, das blusas camas das psicodelias mergulhei mais uma vez na sua imensidão entorpecente e me senti mais alucinada do que sempre. Me encontrei dentro de ti, e não havia contorsão, haviam dois corações, o meu e o seu, respirando iguais, pulsando freneticamente em perfeita sintonia. A sintonia tão perfeita que só dias almas tão opostas conseguem proporcionar. No canto, perto da boca, veio o charme em forma de pinta. Irresistível. Grudei em você. Um corpo que me mostra o relevo do mundo, silhuetas que imitam a mãe natureza, e dando um laço te consagra como filha. Ou será que é a Terra que lhe imita, e faz-se gigante por ser parte de sua alma e você mãe de tudo? Só pode ser um pouco mãe, pelo brilho nos olhos quando sonha e pelo colo encaixado que abriga minha cabeça, minha insegurança e meus suspiros. De olhos arregalados vi dois olhos puxadinhos que sempre me encantam por serem imensos e pela acrobacia de saber ser menina travessa e mulher, dessas que exalam perfume de dona. Sobrancelhas arqueadas e longas, olhos puxados e brilhantes, pinta, bochecha de cumplicidade, nariz arrebitadinho, testa de respeito, queixo de paixão e lábios, da "moça de sorriso aberto". E eu? Feliz. Inacreditávelmente feliz, depois de tudo. Mas Páscoa é ressurreição. Deitada nos edredons intermináveis, afogada nos beijos infinitos, colada na dança, devorada nas besteiras. Tudo delicioso. Eu não quero nunca te dizer tchau. Porque a melhor coisa do mundo é me cegar de novo e de novo e de novo atrás de seus cachos tampando minha visão. Caracóis do meu melhor amor, do meu melhor amigo.

domingo, 21 de março de 2010

" - Como todo namoro, é mais díficil quando acaba."




Tava conversando com o Caio, achei um tipo de oração de fim de namoro.
" Ah: fumarás demais, beberás em excesso, aborrecerás todos os amigos com tuas histórias desesperadas, noites e noites a fio permanecerás insone, a fantasia desenfreada, e o sexo em brasa, dormirás dias adentro, faltarás ao trabalho, escreverás cartas que não serão nunca enviadas, consultarás búzios, números, cartas e astros, pensarás em fugas e suicidios em cada minuto de cada novo dia, chorarás desamparado atravessando madrugadas em sua cama vazia, não conseguirás sorrir nem caminhar alheio pelas suas sem descobrires em algum jeito alheio o jeito exato dele, em algum cheiro o cheiro preciso dele (...). Na frente do espelho, nessas manhãs maldormidas, acompanharás com as pontas dos dedos o nascimento de novos fios brancos nas suas têmporas, o percurso áspero e cada vez mais fundo dos negros vales lavrados sob seus olhos profundamente desencantados, sabes de tudo sobre esse possível amargo futuro. Sabes também que já não poderias voltar atrás, que estás inteiramente subjugado e as tuas palavras, assim quais forem, não serão jamais sábias o suficiente para determinar que esta porta conduza ao céu ou ao inferno. Mas sabes principalmente, com uma certza misericórdia doce por ti, por todos, que tudo passará um dia, quem sabe tão de repente quanto veio, ou lentamente, não importa. Só não saberás nunca que nesse exato momento tens a beleza insuportável da coisa inteiramente viva. Como um trapezista que só repara na ausência da rede após o salto lançado(...)"

Mais um de Caio Fernando Abreu.

Desconexões III




Uma semana são sete dias. 7 dias de abandono à minha loucura. Eu não me suporto. E a loucura não vai embora. O que me surta ainda mais. A loucura cresce por trás desses meus olhos arregalados e dessa febre custosa. Minha cabeça gira a 100 km por hora, não há o mínimo de organização aqui que me deixe saudável pelo menos. Ao contrário, toda organização deu lugar a uma força que me asfixia e me escurece as vistas.
Chorei três dias sem parar. Choro de culpa, de falta. Buraco fundo de um perdão impossível. Urgência de achar um caminho para reparar as coisas e te ter de volta, ou pra abandonar esse egoísmo da mesma forma que o desejo tanto.
Amigos. Essa palavra tem me feito cócegas doloridas. Grande perda, ou na verdade as coisas tem de ser como tem de ser, então é indiferente. Não foi forte o bastante, então já não quero para mim. Decepção. Eu sou mesmo insuportável. Não sinto rancor, sinto tristeza desenhando e apagando o rosto de cada um. Mais uma deseternidade me fazendo cair na realidade, ou me cuspindo na ilusão da loucura. Sei lá. É tudo frágil demais. É um saco ter que carregar o peso do equilíbrio a todo instante. Só restou eu e Caio, ele deixou o lugar lá onde ele estava tomando seu café sossegado e veio se deitar comigo. Ele pode tocar, apertar, apapar minha ferida, por que ele já esteve nisso. É uma invasão respeitosa, quase de fazer piada com a desgraça alheia. Juntos deliramos de dor. Pro resto eu não mandei nem um beijo.
Doídos. São seus olhos que eu pintei de vermelho. Como eu queria que eles me mandassem embora! Pelo contrário, ata meus olhos em ti e escancara sua dor. Eu não suporto, sempre fui covarde. Lanço tudo para fora de mim em lágrimas incontidas. Todos os nossos sonhos a dois, todos os nossos machucados mútuos... escorrendo nesses dias intermináveis. Os dias de outono são todos laranja-tédio-interminável; nada nem quente nem frio, tudo morno e preguiçoso. Até o barulho do papel higiênico desenrolando-se é alto demais. Outono carrega com ele a espera, sem esperança alguma mas com desespero abundante, em cada folha que cai. Esperamos por um milagre que nos salve do próprio outono, que nos salve de nosso cansaço. Até respirar exige muito esforço. A comida é sem gosto e o corpo padece em mil enfermidades, que expoem a alma necrosada.
De um lado do abismo eu, do outro lado, você. Ousei me aproximar. Vi sua barriga que eu tanto beijei contorcer-se freneticamente de nojo de mim e dos meus lábios. Facada merecida. Ouvi da sua voz que seu corpo já não sente mais nada. Facada merecida. O peito apertou sentindo você se entregar a outros braços. Doente de ciúme. Todas as facadas a partir de hoje são justas e fundas, atingindo a merda da minha memória que me deixa na mão quando eu mais preciso, retorcendo num sangue que não escorre, petrifica. Me apego até ao não parar tentar sobreviver ao seu talvez, porque se houver um sim eu tenho de estar viva. Um sim para vida não tem função quando já está morta.
Tudo num desencanto universal. Meu coração aprendeu uma batida tripla para doer mais. Eu queria você aqui parar me curar, mas não é possível, então eu vou dormir. Caio dá vontade de fumar. Ele faz parecer que quem fuma tem o direito de não ser perturbado por nada e morrer quando bem entender. Deus, nunca quis tanto morrer.

terça-feira, 16 de março de 2010

Toca aqui Caio!


'Chovia, chovia, chovia e eu ia indo por dentro da chuva ao encontro dele, sem guarda-chuva nem nada, eu sempre perdia todos pelos bares, só levava uma garrafa de conhaque barato apertada contra o peito, parece falso dito desse jeito, mas bem assim eu ia pelo meio da chhuva, uma garrafa de conhaque na mão e um maço de cigarros molhados no bolso. Teve uma hora que eu podia ter tomado um táxi, mas não era muito longe, e se eu tomasse um táxi não poderia comprar cigarros nem conhaque, e eu pensei com força então que seria melhor chegar molhado da chuva, porque aí beberíamos o conhaque, fazia frio, nem tanto frio, mais umidade entrando pelo pano das roupas, pela sola fina esburacada dos sapatos, e fumaríamos beberíamos sem medidas, haveria música, sempre aquelas vozes roucas, aquele sax gemido e o olho dele posto em cima de mim, ducha morna distendendo meus músculos. Mas chovia ainda, meus olhos ardiam de frio, o nariz começava a escorrer, eu limpava com as costas das mãos e o líquido do nariz endurecia logo sobre os pêlos, eu enfiava as mãos avermelhadas no fundo dos bolsos e ia indo, eu ia indo e pulando as poças d'água com as pernas geladas. Tão geladas as pernas e os braços e a cara que pensei em abrir a garrafa para beber um gole, mas não queria chegar na casa dele meio bêbado, hálito fedendo, não queria que ele pensasse que eu andava bebendo, e eu andava, todo dia um bom pretexto, e fui pensando também que ele ia pensar que eu andava sem dinheiro, chegando a pé naquela chuva toda, e eu andava, estômago dolorido de fome, e eu não queria que ele pensasse que eu andava insone, e eu andava, roxas olheiras, teria que ter cuidado com o lábio inferior ao sorrir, se sorrisse, e quase certamente sim, quando o encontrasse, para que não visse o dente quebrado e pensasse que eu andava relaxando, sem ir ao dentista, e eu andava, e tudo que eu andava fazendo e sendo eu não queria que ele visse nem soubesse, mas depois de pensar isso me deu um desgosto porque fui percebendo percebendo, por dentro da chuva, que talvez eu não quisesse que ele soubesse que eu era eu, e eu era. Começou a acontecer uma coisa confusa na minha cabeça, essa história de não querer que ele soubesse que eu era eu, encharcado naquela chuva toda que caía, caía, caía e tive vontade de voltar para algum lugar seco e quente, se houvesse, e não lembrava de nenhum, ou parar para sempre ali mesmo naquela esquina cinzenta que eu tentava atravessar sem conseguir, os carros me jogando água e lama ao passar, mas eu não podia, ou podia mas não devia, ou podia mas não queria ou não sabia mais como se parava ou voltava atrás, eu tinha que continuar indo ao encontro dele, ou podia mas não queria ou não sabia mais como se parava ou voltava atrás, eu tinha que continuar indo ao encontro dele, que me abriria a porta, o sax gemido ao fundo e quem sabe uma lareira, pinhões, vinho quente com cravo e canela, essas coisas do inverno, e mais ainda, eu precisava deter a vontade de voltar atrás ou ficar parado, pois tem um ponto, eu descobria, em que você perde o comando das próprias pernas, não é bem assim, descoberta tortuosa que o frio e a chuva não me deixavam mastigar direito, eu apenas começava a saber que tem um ponto, e eu dividido querendo ver o depois do ponto e também aquele agradável dele me esperando quente e pronto.Um carro passou mais perto e me molhou inteiro, sairia um rio das minhas roupas se conseguisse torcê-las, então decidi na minha cabeça que depois de abrir a porta ele diria qualquer coisa tipo mas como você está molhado, sem nenhum espanto, porque ele me esperava, ele me chamava, eu só ia indo porque ele me chamava, eu me atrevia, eu ia além daquele ponto de estar parado, agora pelo caminho de árvores sem folhas e a rua interrompida que eu revia daquele jeito estranho de já ter estado lá sem nunca ter, hesitava mas ia indo, no meio da cidade como um invisível fio saindo da cabeça dele até a minha, quem me via assim molhado não via nosso segredo, via apenas um sujeito molhado sem capa nem guarda-chuva, só uma garrafa de conhaque barato apertada contra o peito. Era a mim que ele chamava, pelo meio da cidade, puxando o fio desde a minha cabeça até a dele, por dentro da chuva, era para mim que ele abriria sua porta, chegando muito perto agora, tão perto que uma quentura me subia para o rosto, como se tivesse bebido o conhaque todo, trocaria minha roupa molhada por outra mais seca e tomaria lentamente minhas mãos entre as suas, acariciando-as devagar para aquecê-las, espantando o roxo da pele fria, começava a escurecer, era cedo ainda, mas ia escurecendo cedo, mais cedo que de costume, e nem era inverno, ele arrumaria uma cama larga com muitos cobertores, e foi então que escorreguei e caí e tudo tão de repente, para proteger a garrafa apertei-a mais contra o peito e ela bateu numa pedra, e além da água da chuva e da lama dos carros a minha roupa agora também estava encharcada de conhaque, como um bêbado, fedendo, não beberíamos então, tentei sorrir, com cuidado, o lábio inferior quase imóvel, escondendo o caco do dente, e pensei na lama que ele limparia terno, porque era a mim que ele chamava, porque era a mim que ele escolhia, porque era para mim e só para mim que ele abriria a sua porta.Chovia sempre e eu custei para conseguir me levantar daquela poça de lama, chegava num ponto, eu voltava ao ponto, em que era necessário um esforço muito grande, era preciso um esforço muito grande, era preciso um esforço tão terrível que precisei sorri mais sozinho e inventar mais um pouco, aquecendo meu segredo, e dei alguns passos, mas como se faz? me perguntei, como se faz isso de colocar um pé após o outro, equilibrando a cabeça sobre os ombros, mantendo ereta a coluna vertebral, desaprendia, não era quase nada, eu mantido apenas por aquele fio invisível ligado à minha cabeça, agora tão próximo que se quisesse eu poderia imaginar alguma coisa como um zumbido eletrônico saindo da cabeça dele até chegar na minha, mas como se faz? eu reaprendia e inventava sempre, sempre em direção a ele, para chegar inteiro, os pedaços de mim todos misturados que ele disporia sem pressa, como quem brinca com um quebra-cabeça para formar que castelo, que bosque, que verme ou deus, eu não sabia, mas ia indo pela chuva porque esse era meu único sentido, meu único destino: bater naquela porta escura onde eu batia agora. E bati, e bati outra vez, e tornei a bater, e continuei batendo sem me importar que as pessoas na rua parassem para olhar, eu quis chamá-lo, mas tinha esquecido seu nome, se é que alguma vez o soube, se é que ele o teve um dia, talvez eu tivesse febre, tudo ficara muito confuso, idéias misturadas, tremores, água de chuva e lama e conhaque batendo e continuava chovendo sem parar, mas eu não ia mais indo por dentro da chuva, pelo meio da cidade, eu só estava parado naquela porta fazia muito tempo, depois do ponto, tão escuro agora que eu não conseguiria nunca mais encontrar o caminho de volta, nem tentar outra coisa, outra ação, outro gesto além de continuar batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, na mesma porta que não abre nunca. '


olhos ardentes... com o Fernando Abreu.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Cazuza, para mim.

Culpa de Estimação

Cazuza

Composição: Cazuza / Roberto Frejat

Por onde eu ando
Levo ao meu lado
A minha namorada
Cheirosa e bem tratada

Não sei se o nome dela
É Eva ou Adão
É religiosa por formação
A minha culpa de estimação

Se alguém me ama
Ela diz que não
Se nem me notam
Ela diz: "Por que não?"

É a minha companheira inseparável
Sua fidelidade é incomparável
E me perdoa por não ter razão
A minha culpa de estimação

E me aceita o pior dos tarados
Um ser mesquinho tropeçando no nada
Guarda segredo e diz que não é chantagem
Que ninguém vai saber das minhas bobagens
Me dá um calmante e diz que é pra eu ser bom
A minha culpa de estimação
(Ela é de estimação)

domingo, 7 de março de 2010

40 dias .


Eu estava sentada ali mesmo, naquele pedaço de chão quando vi meu sonho passar por mim. Gritei, pulei, chamei-o até pelo nome... mas ele foi passando por mim, passando, passando e passou... como se nunca houvesse colorido de lilás meus cabelos e minha juventude. Ele preferiu pintar de outras cores outras cabeças, que existiam morando dentro de mim e continuaram existindo quando ele se foi. Ou foi eu quem o deixou escorrer? Faltou garra. Queria ter sido mais mulher. Mas ele passou por mim, então porque ainda dói? No seu último passo lançou-me um dedo de correntes que esfolou minha cara no chão. Doeu como quem abriga um resquício de esperança, como um suspiro antes da morte.

Por esse caminho de mundo encontrei homens vazios de espírito e de capas idênticas. Me senti enjoada e cansada, Pai. Fui parar em outro pouso... Achei homens com capas entusiasmantes, escandalosas, autênticas ... mas eles eram também vazios de espírito ou era eu quem não pertencia àquele lugar. Me senti velha também. Onde estão os ousados no espírito e na carne... de um mundo repleto de cores, derramando humanidade? Por onde se escondem os sonhadores, os que não aceitam, os que buscam o bem, os cheios de defeitos e deseconomistas de vida? A qual lugar me pertenço, afinal? Alguém aí cuide bem dos meus caminhos que são sabidos seus e tome conta desse meu coração para que ele não vire estátua e depois pó, pois ainda não é hora de desistir quando se teve nas mãos a vida e a verdade de um sonho. A realização moço, efêmera ou duradoura, é um oásis no meio desse deserto seco ... e me dá sede, muita sede... e essa sede é acentuada cada vez que uma água de mim parte em formato de lágrima.


O tempo então é meu inimigo e o amor meu maior aliado. Afinal de contas um sonho assim, cheio de fotografias dos sorrisos que um dia desejei desabotoar, não desfila muito tempo por aí sem ser transformado em desilusão. A porta do salão é o limite. Dai-me de beber vida brindada que essa morte é por fim meu caminho para tua entrada!

sexta-feira, 5 de março de 2010

Fascinar.


Univitelino: um vitelo dividido por duas almas distintas que ocupam um corpo só. Mesmo sangue que nutre dois olhos. Signo. Sinal. Rótulo. Verdade. Emoções dobradas à flor da pele. É imenso em sentimentalidades e duplicado na dificuldade de suportar e ser suportado. Conquista o respeito pela instrospecção irônica que carrega sobre seus ombros e pela maturidade natural que exala. É a personificação de deus e demônio e todos seus atributos. Opostos. Metades. Conflitos. Sobreposições. Aquarela de luz e escuridão, paz e guerra, liberdade e prisão, homem e mulher... dualismos de duas almas inteiras num corpo só? Sim, num corpo só. Um vitelo de cosmos compartilhados pela sede e fome de duas almas mendigas num mundo que lhes cabe como luva. Par de dois dedos que acabam numa mesma mão. Corpo sozinho que abre em cores dessa aquarela múltipla que se transformam em dois olhos. Dois olhos num rosto só. São olhos gêmeos, alimentados pelo mesmo coração que pulsa dois caminhos de sangue, oxigênio e vida. São olhos que lançam ganchos em olhos de caranguejos. Ascende. Acende. Afaga. Apaga. Apanha. Atém. São olhos geminianos que vêm e vão e são temidos pelo poder em dobro. E eu? Refém. Poder que me desperta complexo de lixo, que me joga em meio a um lixo imenso de emoções. Imóvel. Mas não apático, em submissão, que me faz conformar. Luxuoso lixo que me desperta na tristeza extrema, na revolta que me faz queimas as veias do anti-braço, que ergue meu corpo em prol de uma revolução. Olhos gêmeos que quando enxergam o horizonte, alcançam o mundo em desejo, alcançam onde querem chegar e me têm nas palmas das mãos. Gêmeo que me destrói e me constrói com seus artifícios infinitos de me fazer viva, e alegre através de uma longa e infernal estrada de mistério de um chamado pela dor. Medo e beleza. Medo do belo. Tão belo que amedronta. Fascínio.