sábado, 7 de março de 2015

"... Da feia fumaça que sobe, apagando as estrelas..."


"É o sentido do tato. Numa cidade normal, você anda, esbarra nas pessoas; as pessoas trombam com você. Em Los Angeles ninguém te toca. Estamos sempre atrás do metal e do vidro. Acho que sentimos tanta falta desse toque, que batemos uns nos outros só para sentir alguma coisa." (Crash - No Limite)

Era terça feira. Eu estava sentada naquela mesa vazia, e vi a linha desfiar da bolsa. Havia pedaços mais finos, e outros mais grossos. Alternância de cores. Havia um silêncio pesado pairando naquele calor úmido de uma terça-feira a tarde. Me lembrei da vida, ou ela se fez lembrar.

Se analisarmos desde o nascimento até o dia de hoje, o que faz o sujeito são os traumas que lhe ocorrem, como e se foram superados. É triste o poder que a memória das dores tem. Talvez não seja assim com todos, talvez a culpa seja do meu signo saudoso.

Mas veja bem: há uma criança que cresceu amada. Aos 7, sofre um abuso. Será que ela supera? Ela passa então a viver a vida com o intuito de superar aquele trauma. É o abuso que muda e controla a vida dela, e não todo o amor dedicado e absorvido antes do trauma. É muito injusto.

E lá vem a morte. Representação máxima dessa imprevisibilidade injusta a qual estamos expostos diariamente. Morre-se quando bebê, criança, jovem, adulto ou idoso. Morre-se de dia, de tarde e de noite. De carro, bicicleta, trem, a pé, dormindo, andando, cantando... No mercado, na escola, no parque de diversões. 

Até pouco tempo, eu tinha medo da morte. Não tenho mais. Não há probabilidade que possa doer tanto quanto a vida. 

A vida nos prega peças rotineiras: você achou que o pior já havia passado? Te enganei! É quando te vejo sorrir, ao vermos aquele musical juntas. Aí, a morte senta ao meu lado no sofá. Sem piedade, coloca a mão nos meus ombros e me faz lembrar. Ela é amiga íntima e confidente da vida: sabe de tudo! 

Recordo as Barbies, o Zezé de Camargo e o Luciano, sua fragilidade de bebê... O Araguaia, as viagens, a cumplicidade. Me lembro de todos os filmes que vimos juntas...

Vocês já tiveram a grande oportunidade de desmaiar? Um segundo antes do corpo desfalecer, os membros adormecem, as vistas escurecem e o coração diminui, apertando toda a capacidade de reação que um ser humano teria. Estou entregue e nada posso fazer. De repente, a escuridão dos olhos se esvai e volto ao sofá.

E eu não posso chorar. Eu, que não confio muito em nada feito pelo homem (não vou em montanhas russas nem pensar!), sou obrigada a me dispor nas mãos de uma medicina feita por homens, limitados e que precisam descobrir uma saída.

E eu não posso chorar, porque vejo você dizendo todos os dias que está cansada e que quer desistir, mas eu não posso deixar. Se você desistir, que sentido há em continuar lutando?

E eu não posso chorar. Desligo o telefone e olho em volta. Nada, ninguém. Silêncio pesado, sobrecarregando meus ombros. Lembro de uma época que em 10 minutos haveria alguém aqui para dividir os ombros comigo.

Mas as pessoas aprenderam a amar através da tela. Se você compartilha sua dor com os três mais chegados, logo eles dizem: "vou rezar por vocês." Por favor, não me interprete mal, não é que eu não aprecie orações. Deus é o Cara da minha vida. Não é isso.

É que, o que isso contribuirá para a redução do peso nos meus ombros? Sabe... às vezes, a dor é tão grande que é preciso se calar num abraço para se voltar a respirar. Mas nos acostumamos com as telas de vidro, tudo se resolve com uma troca virtual. Infelizmente, a realidade é bem diferente. A dor é gigante, acho que você não faz ideia. Mas carinho não se cobra, e o estilo de vida não vai mudar. Tudo tende a ficar cada vez mais tecnológico. Cada vez mais conectados, cada vez mais sozinhos, cada vez mais superficiais e menos compassivos. 

Me lembro agora de um dos meus textos favoritos de um dos meus autores favoritos. "Como ensinar a compaixão", Rubem Alves? Como fazer que o coração do outro fique junto ao teu? Novamente, não há perspectiva de melhora, os valores são outros... E o que posso fazer, se não posso chorar?

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Um país que protesta por causa de lagostas.



Sabe quando você tem um pesadelo terrível a noite toda e acorda assustado? A sensação de quem ficou um mês em outro país, especialmente neste mês de janeiro, e agora retornou para o Brasil é inversa a isso. Tem-se a impressão de que a realidade desmorona-se rumo a um grande pesadelo.
Fiquei fora do país por três semanas e quando retornei tive o maior susto da minha vida. Um país triste, apático, sugando seu povo a cada segundo. Mas o mais assustador é a reação: muita fala, nada de atitude.
Antes de prosseguir, vou fazer um retrato do que meus olhos viram antes de retornar.

Era uma vez Londres. Era uma vez milhões de pessoas se apressando, a pé, pelas ruas, rumo aos seus trabalhos diários. Os que estavam com pressa, andavam pela esquerda, os que estavam com tempo ou eram turistas, ficavam à direita, para que os outros passassem. E no meio de milhões de pessoas todo mundo se respeitou, a paz reinou, e as pessoas andavam a pé, sem medo da violência. Nos cafés, nas esquinas ou em qualquer lugar que fosse, o que se encontrava era a prestatividade, estar ali para ajudar o outro no que quer que fosse, perguntar se o desconhecido estava feliz e saudável, praticar religiosamente a obsoleta gentileza. É isso que acontece em um lugar onde o governo investe em educação desde o berço. Aliás, por falar em educação, o coração londrino é um emaranhado de diversas identidades, por isso é impossível definir a cara daquele lugar. O que impressiona é que todos os diferentes vivem em paz. Nem preciso mencionar a estrutura dos transportes, o baixo valor dos alimentos, os impostos reduzidos, e os serviços públicos de qualidade. Você deve ter uma imagem mental disso porque dá pra ter uma noção por trás de todo o sensacionalismo da mídia nacional. Mas o que mais me chamou a atenção foi um fato isolado que aconteceu sem aviso prévio. Era uma quinta-feira, anoitecendo, e em um dos pontos mais badalados da cidade, três garotas pegam três cartazes, um vídeo e um megafone. Em um pequeno palanque, mostram as cenas horríveis de lagostas sendo assassinadas friamente antes de virarem a sugestão do chef. Elas protestaram para que a morte das lagostas deixasse de ser dolorida. Elas começaram sozinhas, e uma multidão foi se formando ao redor. Depois de algum tempo, a cidade ficou paralisada em nome de lagostas. As pessoas lutaram juntas até que o governo tomasse uma posição e decretasse que a partir dali o sofrimento dos bichos estaria suspenso e elas morreriam sem dor. E se eu pudesse definir Londres, esta seria definitivamente a imagem que mais me encantou.

Eu fico imaginando um país que se indigna por causa da morte de lagostas e faz disso uma pequena revolução até que haja resultado. É por isso que há uma semana arrepio de ódio ao acordar em um Brasil que nada faz. Sempre foi absurdo viver aqui, nosso povo sempre sofreu demais, em pequenas doses.

Quando o bafo quente de Brasília bateu no meu rosto, foi isso que vi: a gasolina aumentou 40 centavos,meu café da manhã na padaria aumentou 1 real, o ladrão Renan Calheiros foi eleito presidente do Senado novamente, a Graça Foster "renunciou" e para assumir seu cargo estão sendo cotados pessoas ainda mais corruptas, como o presidente do BNDES (que diga-se de passagem, há especulações de que o rombo neste órgão seja ainda maior que o da Petrobras)...O governo cortou qualquer participação oposicionista na mesa diretora (isso chama-se ditadura).... A conta de energia aumentou de 30 a 40%, o transporte público continua uma merda, só que agora mais cara... Corta-se o FIES e o PROUNi e dá um soco em meu rosto, porque meus amigos foram mandados pra rua, minha instituição está com um rombo orçamentário porque o governo decidiu cortar verbas... Preciso citar saúde e educação? Acho que não, porque estes dois são os pilares. Se o chão e o teto desabaram, imagine os pilares?

E enquanto isso o povo fica sentado, reclama, mas permanece no sofá. Eu gostaria muito de viver em um país onde as pessoas protestassem por causa de lagosta, porque isso seria um sinal de que tudo o mais vai muito bem, obrigada.

Voltar para o Brasil é sempre uma preguiça. Mas diferente do: "BRASIL, AME-O OU DEIXE-O" (apesar do mesmo contexto de ditadura, só que agora disfarçada, polida e cheia de eufemismos), o emblema que grita agora é "BRASIL, AME-O E TRANSFORME-O". Dá muito medo se sentir sozinho quando seu país clama que seu povo o socorra.

Espero sinceramente que eu não esteja só e que a gente não aceite isso. Desejo muito que você vá para fora do país e que a realidade te choque. Mas desejo ainda mais que você volte, e chore comigo, e arrepie de ódio, e lute para que as coisas melhorem.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Très triste.


Certo dia eu tinha dez anos, e em mais uma de minhas manhã comuns, eu estava assistindo desenho. De repente, a programação foi interrompida por aquele toque aterrorizante que dizia: o mundo está de plantão. Eu não entendia muito bem o que era aquilo, mas lembro que duas torres gêmeas e belas despencavam, escandalizando meus olhos de menina. Foi um avião que as derrubou, por querer de alguém que acreditava que aquilo deveria ser destruído.
E hoje estava eu, em uma mesma manhã quente e comum de minha semana, quando me conectei às notícias e lá estava ela: 12 pessoas foram mortas porque alguém achou que aquilo deveria ser destruído. O terror ficou comum, já são milhares de casos pelo mundo, e na maioria das vezes já nem nos incomodam mais. E não vamos muito longe, tem aquele garoto da periferia que perdeu a vida por causa de 11 reais. Alguém achou que ele deveria ser destruído.
O mais engraçado é que sempre colocamos estes crimes contra a humanidade numa distância galática de nossa realidade: mas não foi comigo. Se fosse, doeria diferente. 
Não percebemos que todos os dias, sutis atentados terroristas despencam na nossa janela.
Mais tarde, deste mesmo dia, eu estava na Igreja e, mais uma vez, estava tudo indo muito bem, até que o líder soltou esta palavra: 
"- Este era padre, chegou a ir para o seminário. Ele era seminarista, mas Deus o salvou." E agora ele se tornou pastor desta igreja.
Eca. Me dá nojo e asco esta hipocrisia. A denominação terrorista, no século XXI, quer dizer: aquele que vai contra os costumes do ocidente, está quase se transformando em sinônimo de anticristo. Mas, na verdade, o terrorista é aquele que causa o terror.
Me diz qual é a diferença do pensamento dos dois caras que atacaram a revista de humor na França hoje e o líder desta igreja que teve a infelicidade de dar aquele discurso? Nenhuma. Veja você, terroristas orientais e ocidentais se beijando.
Eu causo terror quando berro com o outro, agrido gratuitamente os que me rodeiam, deixo de ser generoso, e destruo com palavras ou atos os sonhos de um ser que vive. Sou terrorista quando sou gay e discrimino o hétero, ou quando sou hétero e odeio gays. Quando sou budista e odeio cristão, quando sou islâmico e odeio cristão, quando sou cristão e odeio todo o resto.Vida interrompida. E morremos diariamente, diversas vezes, e nem nos damos conta. Sim, John Coffee, eles se matam todos os dias e usam o amor para isso.
Tudo é um grande reflexo da grande onda de intolerância que toma conta do mundo. Seres quadrados vagam por aí, diminuindo suas mentes a cada dia, perdidos em sua ansiedade desvairada e escondendo-se atrás de telas e vidros. Evitam o toque, a compaixão, sentir com o outro. Eu me recuso em acreditar em qualquer ideologia de teto de vidro, disfarçada em máscaras da falsa perfeição e superioridade. Para mim não há terror maior do que discriminar o outro porque é diferente daquilo que eu sou. Porra, se todos soubessem o valor de uma identidade e a aprendizagem da diversidade... Confesso que meu maior delírio, utopia é de que todos se respeitem e derramem afeto por serem apenas o que são.
E assim continua a viver a humanidade, mergulhada em suas ilusões, pregando um amor que não pratica e querendo impor verdades absolutas.
Eu sinto muito pelos meus amigos franceses e por todos aqueles que são assassinados todos os dias por pessoas que se veem grandes, mas são muito pequenas. 
Mais uma vez estou triste. Mas dessa vez desejo ao mundo, o amor. Aliás, desejo mais é que a gente saiba se amar nesse mundo doente.

Música de hoje:

A Violência Travestida Faz Seu Trottoir