sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Carta à Fiona.

 
 
Eu sei que ainda falta um mês, mas essa memória tem roubado meu sono. Não sei o porquê. Mas acho que é melhor colocar para fora.
 
Eu me lembro daquela noite. Acho a chance de ter um ano para recomeçar, genial. Mas aquela que abriu as cortinas para este ano era diferente. Dentro de mim havia medo. Pelo país, pelo mundo, pelas pessoas, por você. Existem momentos que é inevitável admitir estar no colo de Deus. E no escuro daquelas velas, Ele me tocou. Me lembro do coração gélido, porque ele estava ali para me passar um recado e o recado não me agradava.
 
Deus começou a me preparar para sua partida há dois anos. E o que eu podia fazer com isso, senão chorar?
 
Apesar do aviso, a única coisa que eu pedi para este ano novo, foi que Ele ainda não te levasse. Eu ainda não estava preparada. Minha alma custava a se recuperar dos cacos de 2014. Tudo que eu mais queria era só mais um ano com você. Mas Deus insistia na resposta.
 
E eu continuei a pedir. Coloquei todo meu coração e imensidão de amor naquela oração. Quando era 2 minutos passados no novo ano, abri os olhos. Minha maior esperança em 2016 foi a de que desta vez Ele me ouviria.
 
Aí chegou dia 25 de fevereiro. E a morte é assim mesmo: ela deixa recados, mas nunca com data e hora marcada. E foi no meio de um churrasco, cheio de felicidade, que você começou a nos deixar. Deus te tirava de nós aos poucos. Um dia, seus olhos estavam vazios. No outro, você estava de volta. Um segundo, sua alma dava lugar à convulsões. No outro, você fazia festa pela nossa chegada. Confuso e obscuro. Como tudo na minha vida.
 
Não sabia ao certo o que era aquilo. Seria uma grande piada que a morte estava fazendo com nossa cara? Afinal, ela sabe do meu temor. Não sei. Mas não bastava me sangrar diariamente com seu sofrimento, ela quis mais. Sabendo que podia mais, quase tirou minha avó. Tudo ao mesmo tempo.
 
Já pensou? Acordar todos os dias era uma morte cotidiana.
 
Depois de um mês, todo terrível, você nos deixou. Ironicamente era feriado de Páscoa. A morte bateu à nossa porta no dia da Ressurreição.
 
Admiro muito as pessoas equilibradas e serenas, que não pensam na morte ou na efemeridade do tempo, e principalmente, que tem a sabedoria de não questionar. Eu não sou assim, nunca fui. Sangrando então, virei um bicho.
 
Questionava incansavelmente tudo. Ainda questiono e não encontrei respostas. Uma pessoa me disse que essa perca de peso é dor de amor. Tenho que concordar que as lágrimas são inesgotáveis e as noites são longa demais. Algumas vezes gritei, para ver se era capaz de exorcizar alguma coisa. Tudo em vão. Os meses passam e sinto uma saudade imensa cada vez que meu coração bate.
 
Tenho recebido seus sinais. Mas o que são sinais, afinal de contas? Ou eles são mais uma piada de mau gosto da vida ou só servem para nos fazer sofrer mais, nos afogando nas memórias.
 
Eu poderia dizer que hoje eu entendo e agradeço os recados. Mas seria mentira. O que eu faço com issoo?
 
Esse ano de fogo, abriu o resto da minha vida, que serei obrigada a viver e sem você.
 
Além disso, sempre existe aqueles idiotas e tolos, que nunca dizem algo que presta, sabe? Tem os que não entendem, criticam, e ao invés de edificar, destroem alguém ainda mais. Muitos dizem que animais não vão para o céu. Fico me perguntando, quem é que vai então?
 
Você sabe que eu sempre amei o Natal, mas não páro de pensar como será este ano sem te dar um pedaço de peru, acordar sem você na cama no dia seguinte e te abraçar quando você estiver com medo do foguete.
 
Poucos sabem da nossa história, acho que na verdade ninguém entende. Mas gostaria de agradecer pelos 10 anos maravilhosos que você me fez ser uma pessoa melhor.
 
Sabe, agora, não sou uma pessoa tão boa assim e o mundo não tem tanta graça assim.
 
Vou fazer uma tatuagem sua. Minha esperança é de que, pelo menos enquanto aquela maquininha estiver ligada, o físico doa mais que a alma.
 
Este ano, de ano novo, vou pedir para que você esteja no céu, e que esteja bem. Vou pedir para te ver de novo algum dia.
 
Feliz Natal, meu eterno milagre.