quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Carta ao Cazuza.


Amigo meu,

resolvi escrever-te novamente e falar-lhe da minha mania de te colocar em meu lugar. Prega-se por aí que virtude é o contrário disso, colocar-se no lugar dos outros é compaixão... e o inverso, como se chama? seria fracasso?
O que você faria se sua vida tivesse mudado rápido demais a ponto de não condizer com nenhum sonho seu? Acho que você teria se drogado, feito amor, gritado por aí, tudo... menos fazer o que não fosse da tua vontade.Eu cresci com essa mesma energia que me permitia falar em tom claro que eu faria tudo da minha vida, menos desistir do que eu sonhava e me tornar professora. Achava uma chatisse falar a mesma coisa todo ano, como uma oração pronta e mais chato ainda ter nas pessoas meu objeto de trabalho.
Eu era sonhadora, dessas que acreditavam nas coisas, Amélia de revolução, quiçá prosituta, mas nunca a dona-de-casa.Poderia dizer que a vida me derrubou, mas sempre a vi como bela, ela não poderia me fazer mal algum... já o seu oposto, a falta dela, é capaz de destruir tudo que toca. E assim aconteceu. Recebi uma série de negações em sequência que podaram tudo que pulsava em meus olhos verdes e brilhantes. Fizeram meus sonhos mudarem de nome, passaram a se chamar ilusões. E não foi um prazer conhecê-las, porque num primeiro momento tive forças para fazer birra, mas se eu soubesse que depois eu me acostumaria, teria berrado muito mais.
Educação no Brasil é mesmo uma piada. Um bando de gente grande que acha que sabe das coisas socando uma sopa decorada de letras em alunos que não querem aprender nada. Tudo sem porquê, sem vontade, sem paixão. Tudo movido na direção de um dinheiro que você ganhará um dia. Daí você recebe diplomas de papel, gasta anos de vida entre quatro paredes e isso se chama educação.
Não bastasse meu fracasso veio junto a decepção. A corrupção é ensinada em sala de aula e camina lado a lado com a futilidade de adultos que deveriam ser nobres de alma antes de serem chamados professores. Por vezes estava fazendo o trabalho que é repetitivo e me afastava da situação pela perspectiva cósmica de Nietzsche... ri do meu ridículo: estava eu interpretando o papel de Charlies Chaplin em Tempos Modernos, plena revolução industrial no século XXI.,, num ambiente escolar. Os professores morrem de preguiça ou estão cansados demais para ler algum livro ou abrir a mente para novas idéias. A escola deveria ser laica, estimular o livre pensamento, e o respeito... pois é dentro dela que brota o preconceito e os moldes segregativos. Trabalho ensinando uma língua estrangeira para brasileiros que odeiam MPB, vestida numa camisa com as cores da bandeira da nação que mais mata, escraviza e separa a humanidade.
Não bastasse isso tenho procurado trabalar mais e mais, desperdiçar mais horas na ilusão de que está tudo bem. Esconder-me de decisões e conflitos que tenho de enfrentar, da felicidade que deixei para depois e o nojo de estar sendo uma 'professora', sem tempo, sem gosto, que aceitou a falta de vida.
No primeiro ano queria fazer relações internacionais, no sul do Brasil... que é a região que eu mais amo. Mas me disseram que lá era longe e caro demais, para eu mudar meu sonho para Brasília.Assim o fiz.Mais perto do vestibular me convenceram que eu era uma garota que estudava no interior de Goiás e relações internacionais era um curso muito concorrido para mim, seria melhor que eu tentasse um mais fácil. Mudei assim para o jornalismo, porque amo escrever... mas é um hobbie, uma delícia, não sei se como profisão teria dado certo. Pouco tempo atrás, com os planos todos alterados, uma liminar do STJ, mais uma vez o papo do custo de vida me fizeram desistir de Brasília e de todas as imagens que eu tinha projetado na capital do Brasil. Eu fazia 18,crescer doía e eu estava desempregada e pressionada. Pedi emprego na escola de inglês que me formara.
Aceitei meu salário mínimo e minha crescente carga horária que me tapava em seus números gigantes. O espiral foi desenrolando-se, as possibilidades passando despercebidas e eu aceitando tudo. Sem revolta. Como uma Amélia, dona-de-casa. Quiz dizer que me apaixonei pela profissão, diminuiria o peso da rotina. E disse. E até acreditei um pouco. Mas meus próximos sabem que não sei permanecer na mentira. O falso rompeu-se e eu desabava, me agarrando nos pequenos sorrisos das crianças que eu ensinava, para a queda ser mais branda. Se houve alguma verdade nisso é que sou louca por criança e esse amor só cresceu com a experiência.
Hoje enxaqueca, vômito e uma porrada de sonhos de travesseiro me fizeram acordar. E quando olho no espelho, pareço minha avó.


beijos, Amélie... des-pe-da-ça-da!

sábado, 7 de novembro de 2009

Sobre espirais.



O que te lembra um espiral? Confusão? Loucura? Espiral começa em um ponto e vai abrindo-se. Se a linha é infinita, as voltas e a abertura são infinitas. Quando nota-se, espiral vira labirinto e sem seu mapa ou coisa parecida em mãos ou sem a interrupção de seu desenrolar é complicado retornar-se à sua origem. Espiral, apesar de estar presente nos fascinantes tornados, têm se encaixado em outra categoria de minha vida: sobre as coisas que me instigam, avisam e assustam. Tenho mania de tratar coisas como sinais,e não é questão de falta de ceticismo. Não mesmo. É que fatos recentes me ensinaram a dar maior respeito à minha intuição. E esses sinais carregam mensagens em códigos para que essa venda sobre meus olhos seja arrancada e eu possa ver e sobreviver à órbita caótica na qual dou voltas. Talvez eles já estivessem lá, ou talvez fizeram-se agora em nosso diálogo... mas sua frequência não pode passar desapercebida. O primeiro espiral apareceu assim que fexei meus olhos e movimentei minha pupila como se olhasse dentro de meu corpo... lá estava ele, em meio à imensidão negra, era um monte de voltinhas em verde-água. Assustei. Fiquei tonta e mina cabeça doeu. Abri os olhos. E me esqueci. O segundo espiral veio em aquarela vermelha, na tela da minha televisão ... foi desenhado nas costas de um homem por dedos finos de uma mulher. Era uma história de amor que me encantara bastante. Trazia a vida que fazia bodas de papel, fragilmente em espirais. Esse espiral era o acaso, o caos das emoções numa linha temporal intransgredível e efêmera. Não voltava. Imprevisível. Etiquetado a ele vieram coisas simples e belas, que meus olhos tanto amaram algum dia... como uma pipa no céu. O terceiro veio num sábado de uma das piores semanas da mina vida... num sábado de ressaca pré-álcool, regado à vinho, belo céu e cinema ficcional infantil. Saíram da tela iluminada seis ou sete signos de luz em, adivinhe? Espirais. Não li nada muito relevante, mas a quantidade de espirais berrava: você deve nos perceber e decifrar, agora e já! De repente transformaram-se em um gigante ponto de interrogação, bêbado de medo. O quarto e o quinto estavam desenhados em meus lençóis e na almofada da cadeira onde ficam os edredons. Estavam no meu quarto, eram coloridos e eram meus. Meu medo desfez-se num segundo, restara só a interrogação. Mensagem? O sexto visitou-me numa tarde de domingo, que poderia ter sido amarela, mas o céu teimava em deixar tudo cinza... Era inscrito no chão e cercada de amigos, pisamos em suas voltas. Pisar. Esmagar o que está embaixo ( de que? ) e causar dor. Esse espiral era como a verdade que não queremos ver, mas mesmo não sendo vista sua verdade detonou minhas estruturas e arrancou tudo que eu chamava de amizade e me tirou os pés do chão. O espiral é meu guarda e não ia me deixar cair... trouxe amarrado a ele tudo o que eu deixei no passado ou o passado deixou que fosse embora de mim... o que era verdadeiro deu um nó em minha cintura e impediu minha queda desta ponta de agulha fina e quebradiça à
qual tento respirar. Laço em espirais. O sétimo está, agora mesmo, sobre minha cabeça... num céu azul, esbranquiçado por nuvens de espiral. Acho que este pode ser a assinatura do mensageiro dessa salvação. Deus, é você?
Entrei nisso por amor, com rosto de menina e liberdade interior de um pássaro. Um pássaro que sabia e gostava de voar, com valores e abitado por paz e luz. A vida era deliciosa. Eu era protesto contra rótulos e não-verdades. Eu era eu e gostava do que eu era. O início de um espiral, que fiz com minas próprias mãos. Não tive mestria para manter-me afastada da carniça que tanto detestava e me tornei parte dela. Acabei por emendar ilusão em ilusão e perdi o foco, o sonho, a inocência, a confiança nas pessoas, e a vontade de amar... e me perdi de mim. Parei de ver a beleza humana e dividi a humanidade em dois grandes grupos repugnantes de homens e mulheres que não se misturavam... separados por um muro resistente e alto. Inferiorizai uns, perdi certas oportunidades, enfiei-me no meu próprio preconceito combatido. E a vida foi abrindo-se em espirais assimétricos... de um tempo que não volta. E agora meu mundo desabou e apesar da dor, entendo que foi a única forma que me fizesse parar de tecer esse espiral sem fim... antes que não me restasse mais vida para sentir dor. Foi por amor que entrei e onde esse amor puro estiver, eu estarei. No mais, não sei o que fazer. Não estou nada bem. Não há luz nesse estômago que sente fome e dilata em úlceras. Sem fé. Com dúvida.
Ontem olhei no espelho e percebi que meu rosto de meninna está desaparecendo.
*** Henry corre na Via Láctea em busca da paz utópica do olho de seu furacão.