quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Um país que protesta por causa de lagostas.



Sabe quando você tem um pesadelo terrível a noite toda e acorda assustado? A sensação de quem ficou um mês em outro país, especialmente neste mês de janeiro, e agora retornou para o Brasil é inversa a isso. Tem-se a impressão de que a realidade desmorona-se rumo a um grande pesadelo.
Fiquei fora do país por três semanas e quando retornei tive o maior susto da minha vida. Um país triste, apático, sugando seu povo a cada segundo. Mas o mais assustador é a reação: muita fala, nada de atitude.
Antes de prosseguir, vou fazer um retrato do que meus olhos viram antes de retornar.

Era uma vez Londres. Era uma vez milhões de pessoas se apressando, a pé, pelas ruas, rumo aos seus trabalhos diários. Os que estavam com pressa, andavam pela esquerda, os que estavam com tempo ou eram turistas, ficavam à direita, para que os outros passassem. E no meio de milhões de pessoas todo mundo se respeitou, a paz reinou, e as pessoas andavam a pé, sem medo da violência. Nos cafés, nas esquinas ou em qualquer lugar que fosse, o que se encontrava era a prestatividade, estar ali para ajudar o outro no que quer que fosse, perguntar se o desconhecido estava feliz e saudável, praticar religiosamente a obsoleta gentileza. É isso que acontece em um lugar onde o governo investe em educação desde o berço. Aliás, por falar em educação, o coração londrino é um emaranhado de diversas identidades, por isso é impossível definir a cara daquele lugar. O que impressiona é que todos os diferentes vivem em paz. Nem preciso mencionar a estrutura dos transportes, o baixo valor dos alimentos, os impostos reduzidos, e os serviços públicos de qualidade. Você deve ter uma imagem mental disso porque dá pra ter uma noção por trás de todo o sensacionalismo da mídia nacional. Mas o que mais me chamou a atenção foi um fato isolado que aconteceu sem aviso prévio. Era uma quinta-feira, anoitecendo, e em um dos pontos mais badalados da cidade, três garotas pegam três cartazes, um vídeo e um megafone. Em um pequeno palanque, mostram as cenas horríveis de lagostas sendo assassinadas friamente antes de virarem a sugestão do chef. Elas protestaram para que a morte das lagostas deixasse de ser dolorida. Elas começaram sozinhas, e uma multidão foi se formando ao redor. Depois de algum tempo, a cidade ficou paralisada em nome de lagostas. As pessoas lutaram juntas até que o governo tomasse uma posição e decretasse que a partir dali o sofrimento dos bichos estaria suspenso e elas morreriam sem dor. E se eu pudesse definir Londres, esta seria definitivamente a imagem que mais me encantou.

Eu fico imaginando um país que se indigna por causa da morte de lagostas e faz disso uma pequena revolução até que haja resultado. É por isso que há uma semana arrepio de ódio ao acordar em um Brasil que nada faz. Sempre foi absurdo viver aqui, nosso povo sempre sofreu demais, em pequenas doses.

Quando o bafo quente de Brasília bateu no meu rosto, foi isso que vi: a gasolina aumentou 40 centavos,meu café da manhã na padaria aumentou 1 real, o ladrão Renan Calheiros foi eleito presidente do Senado novamente, a Graça Foster "renunciou" e para assumir seu cargo estão sendo cotados pessoas ainda mais corruptas, como o presidente do BNDES (que diga-se de passagem, há especulações de que o rombo neste órgão seja ainda maior que o da Petrobras)...O governo cortou qualquer participação oposicionista na mesa diretora (isso chama-se ditadura).... A conta de energia aumentou de 30 a 40%, o transporte público continua uma merda, só que agora mais cara... Corta-se o FIES e o PROUNi e dá um soco em meu rosto, porque meus amigos foram mandados pra rua, minha instituição está com um rombo orçamentário porque o governo decidiu cortar verbas... Preciso citar saúde e educação? Acho que não, porque estes dois são os pilares. Se o chão e o teto desabaram, imagine os pilares?

E enquanto isso o povo fica sentado, reclama, mas permanece no sofá. Eu gostaria muito de viver em um país onde as pessoas protestassem por causa de lagosta, porque isso seria um sinal de que tudo o mais vai muito bem, obrigada.

Voltar para o Brasil é sempre uma preguiça. Mas diferente do: "BRASIL, AME-O OU DEIXE-O" (apesar do mesmo contexto de ditadura, só que agora disfarçada, polida e cheia de eufemismos), o emblema que grita agora é "BRASIL, AME-O E TRANSFORME-O". Dá muito medo se sentir sozinho quando seu país clama que seu povo o socorra.

Espero sinceramente que eu não esteja só e que a gente não aceite isso. Desejo muito que você vá para fora do país e que a realidade te choque. Mas desejo ainda mais que você volte, e chore comigo, e arrepie de ódio, e lute para que as coisas melhorem.

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