terça-feira, 22 de março de 2011

Será que o mundo é meu?






Um de meus cheiros favoritos é o de vinho tinto, suave. E o tempo mais gostoso é o frio. O fim de um amor deveria ter cheiro de vinho tinto, suave e sempre ser frio. Frio de doer. O ser humano tem a destreza de transformar as coisas belas em horrorosas. Não é a vida que tem culpa de desconstruir e desgastar os momentos de alegria. A culpa é minha e sua.

Sempre tive medo de "Alice no país das maravilhas" quando pequena, nem havia chegado a assistir o desenho até que fosse adulta suficiente para fingir que não tenho medo ou até que fosse adulta suficiente para ter uma mão segurando a minha, apertando o meu medo e me protegendo daquela angústia infantilizada.

O desenho me arrepiava. A menina caía num buraco e de repente tudo virava cores vivas e confusas, tudo girava e eu ia junto. Não passava dessa cena. Meu estômago embrulhava. Alice vem aos sonhos dos enamorados que se separam. Ao menos, nos meus. Seria Alice o puro mistério ou um estranho num mundo que não lhe pertencia?

Entra aqui um protesto: deveria ser crime um casal de enamorados dormir separados, e mais... quando a paixão chega a vida deveria dar um tempo com essa coisa de horário, de trabalho, de tempo. E como passa rápido esse coelho branco. Mas é a ele quem devemos nossos castelos que construímos diariamente. Só não sabia que os castelos eram de cartas de baralho, mas são. Frágeis, como a linha que separa morte e vida.

O amor que se despede lhe transforma em ilusionista. Os sentidos viram mágicos e te levam a voltar no tempo ou a construir um novo agora. O corpo amado de ontem ainda está a esquentar os lençóis revirados e quentes, mas de repente restam só os lençóis e você e suas mãos que passeiam no vazio do colchão e tocam o vazio da alma. Depois, seu amor sentado ao seu lado na mesa segura uma mulher, e eu mágica que sou pisco meus olhos, a colher cai e não há mais a razão do meu afeto. A razão vai e o afeto fica. Escorrendo em lágrimas multicoloridas., inundando a ausência me despenco numa queda livre, na cratera infinita da angústia de Alice. Voar agora não tem nada a ver com liberdade. O céu é escuro e desconhecido. Medo. É uma vida que se vai. É uma morte infinita, enterrada pelas lembranças e prolongada pelo fato de ainda assim continuar respirando, tendo de viver. Somente poções mágicas para aguentar o choque. Podem te engrandecer, você pode até entrar na onda psicodélica de que aquelas cores são belas. Mas no fim, é só você mesmo e bem pequeno. A pequenez despida diante de um mundo horroroso. O ser humano tem a destreza de transformar tudo que é belo em feiúra. E assim resta o mundo e você.

O problema de Alice, de garotas, de humanos é que não se sabe onde é chão, onde acaba ou começa você e o outro, nem o que foi, é ou deixa de ser. O que é não é, a ilusão é real e a realidade é ilusão. Tudo o que resta é amor, que te leva à imensidão, que te engrandece e que te destrói. O amor sim, é o mundo mais perigoso. É por onde Alice, eu e você vagamos e não sabe onde iremos parar. Amar é derrotar diariamente espelhos e gigantes. E viver é escrever um livro e se tiveres sorte, um livro que conte uma história sua que encante crianças e despedace adultos, e que no fim seja a mais impossível realidade de todos os tempos. Que a sua vida caro leitor, seja maior que a saudade.



-"Essa morte constante das coisas é o que mais dói." (C.F.A.)