terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Sobre caras e coroas.




- Sinto ter chegado a minha hora de escrever sobre a tão complicada fidelidade. Não é porque eu tenha certeza absoluta sobre sua definição, mas porque a sombra e o corpo desse valor andam tomando minha intuição, que eu aprendi a não ignorar. Isso deve servir para alguém, sei lá.

Comparo a fidelidade à uma moeda e suas duas faces. Não porque existe o traído e o traidor, isso para mim são conceitos para vítimas, criminosos e beatas com sede de condenação. De um lado dessa moeda está a fidelidade fazendo sentido, do outro lado, quando ela não faz.
Segundo o dicionário Aurélio, fiel é digno de fé, leal, honrado; que não falha; com o qual se pode contar; exato em fazer as coisas; verídico, verdadeiro; e por fim ... fio que indica o equilíbrio de uma balança. Infelizmente costumamos relacionar fidelidade somente a relacionamentos amorosos, restringindo seu significado a não beijar outra boca ou amar outro corpo além do seu parceiro rotulado. Para mim esse pensamento é limitador, o gesso que reforça a suspeita de que ainda somos muito mais primitivos do que pensamos. Me enojo com essa fidelidade altruísta, forçada, que acontece só porque disseram que tem de ser assim. Pensa-se em uma fidelidade de posse, como uma máscara para auto-afirmação, dando exclusividade de usofruto de outro corpo e alma loteados. Vigia-se o celular, os contatos virtuais, os passos, os costumes... como os capatazes vigiavam a escravidão. Sou pássaro, e essa coisa de alguém querer ser dono de mim só porque mandaram ser assim nunca funiconou. Só fui fiel a partir do momento em que soube pelo quê, em que valesse a pena espontaneamente, sem contratos assinados.Já estive dos dois lados dessa moeda. Quando a verdade é recíproca, há ausência de máscaras, e ama-se até a parte podre do sujeito ou objeto que desperta a vontade de ser fiel. É o oposto da fissura óssea ou das ondas destrutivas, quando as duas metades fazem bem uma à outra. Quando não há invasão de privacidade justificando a desconfiança. E como se houvesse aceitação mútua das diferenças, e mais que isso... como se essas mesmas diferenças fossem a soma, a multiplicação do placar do crescimento incomum despertado pelas coisas boas. É o prazer de todas as coisas que você gosta, cumprido com a pontualidade dos seus deveres. Tem a ver com competência cega. É quando a falha desperta o imediato pedido de perdão, e esse pedido é sempre atendido de boa vontade. Quando os pensamentos não precisam ser filtrados por medo de distorções ou sentimentos invasivos. Quando o objeto ou sujeito pelo qual se é fiel é lembrado com respeito, admiração, saudade, sem a dúvida sem resposta de estar fazendo a coisa certa ou não. É quando voa-se em busca de sonhos, mas retorna-se sempre ao mesmo lugar, e esse lugar torna-se seu refúgio. É a concentração e o sacrifício espontâneo. Podemos ser fiel ao regime, à uma religião, a um time, a uma banda, a um lugar, a uma idéia, a um sentimento, a um hábito, à família, aos amigos, a um parceiro ... é quando você está apaixonado e só encontra encaixe e delícia no beijo que sai da boca de seu amado. Retomando o que diz Aurélio... fiel é o fio que mantém equilibrado os doi lados de uma balança. Só metade do funcionamento da coisa é de responsabilidade sua. A fidelidade humanizada exige recompensa, reconhecimento. A gente tem mania de achar que merece algo em troca quando fazemos algo difícil. Quando não há recompensa, ficamos perdidos na impressão de que tudo que fizemos é em vão. Fidelidade não é um contrato. É uma demosntração espontânea de devoção e cuidado. Jamais haverá satisfação altruísta. Porque fidelidade é feita por duas metades, e como diria até a Bíblia... é impossível servir a dois senhores ao mesmo tempo. Cá para nós que ser fiel é idealizador, exigência sobre-humana demais para essa natureza instintiva. Portanto é óbvio que ser fiel é extremamente complicado. É uma luta diária contra a selvagria de si mesmo. Exige determinação, perseverança e certeza demais nessa abstração toda. Exige atropelamentos diários em busca pela ausência de falhas e epela lealdade absoluta, na espécie que mais erra e permite-se errar. Quando um dos lados da corda afroxa. A fidelidade passa a não fazer sentido. Daí em diante, toda infidelidade é justificável, pois a falha acontece de ambas as partes. Se você não tem outro parceiro além do seu não quer dizer que a infidelidade não vá rondar sua calma. Ser fiel implica coisas muito além do mundinho de um relacionamento a dois. Como diria Oswaldo, cuidar de amor exige mestria... respiração, senso, tato, e uma dose larga de compreensão. Da cara até a coroa custa-se uma volta. É um ciclo, como o cio ou a água. Que vai e volta. Passando pela ausência de infidelidade e fidelidade, caindo até na inércia total. O importante é condizer com a divindade que mora em ti em cada parte dessa roda. Antes de ser fiel ao outro, será que você anda sendo fiel consigo mesmo?

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